Por Cândida Nobre*
Dentre as diversas mazelas que a pandemia escancarou, uma delas me chama muita atenção: a incapacidade de reconhecer-se como responsável pela consequência dos próprios atos. É aquele fenômeno que faz com que, ao elaborar uma crítica, a gente se sinta confortável em começar com “o problema do brasileiro”, como se não o fôssemos, sabe?
É um comportamento habitual, que antecede a covid-19, mas que, neste momento, escancara e mostra o quão feias são nossas próprias entranhas. O outro é que não faz o isolamento, que tem ido aos bares e festas e que está se encontrando com os amigos, aglomerando como se não houvesse amanhã (e pode ser que para alguns desses não tenha mesmo). É o outro que é manipulado pela mídia, que não entende nada de ciência e quer opinar sobre vacinação, vê se pode! O outro, este inferno, este equívoco, este irresponsável.
Este é o mesmo comportamento que permite a dissociação que o presidente da Câmara faz de sua própria responsabilidade quando não utiliza do poder instituído para cobrar do governo federal pelas instâncias adequadas (e não por nota de repúdio). É o que permite o Ministério da Saúde julgar que não há correlação entre falsamente pregar um tratamento preventivo e a emergência de uma nova cepa do vírus. Ou que o presidente declare placidamente que nenhum governo faria melhor combate ao covid que o seu depois de tantos absurdos e impropérios neste quase um ano de pandemia em território nacional. Que governadores e prefeitos joguem as responsabilidades uns aos outros. E até mesmo que você, mesmo tendo votado nessa desgraça, não se sinta nenhum pouco responsável.
*Professora, doutoranda em Estudos da Mídia
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