Transição: regra fundamental de governança pública

Por Fábio Túlio Filgueiras Nogueira*

Considerar que uma transição bem executada pode repercutir favoravelmente na gestão que se inicia não é excessivo. O contrário também é verdade. Para assumir os destinos de uma cidade, o prefeito precisa conhecer profundamente a realidade do município. Não apenas aquilo que as ruas lhe mostraram durante a campanha eleitoral, embora este seja um excelente retrato. Ao se ater com atenção às queixas da população, muito provavelmente, ele conhecerá algumas pontuais demandas.

Mas, a governança é um estado contínuo. As responsabilidades de quem deixa o cargo e daquele que está prestes a assumi-lo são equitativas. É preciso compreender que o mandato não se extingue com a conclusão do processo eleitoral. O prefeito só conclui a gestão quando facilita a transferência de informações de dados, quando deixa demonstradas as execuções fiscal, financeira, orçamentária e patrimonial.

Os processos de transição, previstos em normas municipais, facilitam o ‘choque de realidade’, que o novo prefeito precisa enfrentar. O desejo de uma boa gestão pode esbarrar na falta de experiência, mas, também, no desconhecido. Um aprofundamento, sobre todos os aspectos, da administração que se encerra é determinante para o êxito administrativo.

O trabalho de uma comissão de transição é tão exaustivo, quanto fundamental. Requer transparência e boa vontade de quem deixa o cargo e o mais absoluto interesse de quem o está assumindo.

Sobretudo, quando a pandemia da Covid-19 agravou a crise socioeconômica, elevando as demandas sociais a níveis preocupantes, será preciso driblar a escassez de recursos, com perspicácia, sabedoria e, principalmente, ouvindo a sociedade. Para estabelecer prioridades, elencar emergências, enfim, enfrentar todos os grandes problemas, que ainda advirão dessa situação, é preciso conhecer.

Enquanto esses procedimentos de transição se desenvolvem, os Tribunais de Contas elevam o seu estado habitual de atenção. A grande maioria das Cortes edita normas técnicas de facilitação do processo; outros promovem cursos; oferecem assessoria. Enfim, neste momento, o papel pedagógico do Controle Externo ganha relevância. A ausência de normas gera insegurança e dúvidas, como observamos atualmente na transição de governo nos Estados Unidos.

Os Tribunais de Contas auxiliam no papel fundamental do controle das políticas públicas, alertando para paralisações de obras, serviços e convênios como também fiscalizando o comprometimento fiscal de municípios em observância aos artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Os gestores ao seguirem a cartilha democrática da transição não poderão alegar desconhecimento da situação de seus municípios, como ainda quem deixa seus cargos públicos poderão ser fiscalizados em auditorias especiais pela falta de transparência e comprometimento.

Um aspecto ilustrativo, ou sintomático, de uma transição não executada, foi encontrado em um estudo recente do Sistema Tribunais de Contas, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça sobre as grandes obras paralisadas. O diagnóstico aponta o abandono como uma das principais razões para a paralisação do serviço, o que sugere o desinteresse de uma gestão com seu antecedente, em que pesem os prejuízos causados. Além do descompromisso com a continuidade administrativa, um grave dano ao erário é gerado em comportamentos dessa natureza.

Não são apenas obras, serviços, ações interrompidas. O interesse da cidadania, também, é deixado à margem. Por isto, estamos mobilizando os Tribunais de Contas, em uma iniciativa de reforço ao rotineiramente previsto para que recomendem aos gestores a observância estrita daquilo que as normas determinam, para que cumpram o princípio republicano mais elementar: o respeito aos cidadãos brasileiros.

Por Fábio Túlio Filgueiras Nogueira é Presidente da Atricon

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