O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020, de autoria do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização à força.
Também ficou definido, durante a sessão do Supremo desta quinta-feira (17), que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação. A relatoria é do ministro Ricardo Lewandowski.
O entendimento foi firmado no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
Em seu voto, apresentado na sessão de hoje, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do ARE 1267879, destacou que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade – como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança.
Para Barroso, atual presidente do Supremo, não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros. Ele lembrou que a vacinação em massa é responsável pela erradicação de uma série de doenças, mas, para isso, é necessário imunizar uma parcela significativa da população, a fim de atingir a chamada imunidade de rebanho. Fux observou que a hesitação quanto à vacinação é considerada uma das 10 maiores ameaças à saúde global, segundo a Organização Mundial de Saúde.
O ministro também manifestou- se pela constitucionalidade da vacinação obrigatória, desde que o imunizante esteja devidamente registrado por órgão de vigilância sanitária, incluído no Plano Nacional de Imunização, e tenha sua obrigatoriedade incluída em lei ou tenha sua aplicação determinada pela autoridade competente, o que já existe.
O ministro Nunes Marques, que ficou parcialmente vencido, também considera possível a instituição da obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 pela União ou pelos estados, desde que o Ministério da Saúde seja previamente ouvido, e apenas como última medida de combate à disseminação da doença, após campanha de vacinação voluntária e a imposição de medidas menos gravosas. Ele considera que essa obrigatoriedade pode ser implementada apenas por meios indiretos, como a imposição de multa ou outras restrições legais.
Em relação à recusa em vacinar os filhos, o ministro afirmou que a liberdade de crença filosófica e religiosa dos pais não pode ser imposta às crianças, pois o poder da família não existe como direito ilimitado para dirigir o direito dos filhos, mas sim para proteger as crianças contra riscos decorrentes da vulnerabilidade em que se encontram durante a infância e a adolescência.
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que a compulsoriedade da realização de vacinação, de forma a assegurar a proteção à saúde coletiva, é uma obrigação dupla: o Estado tem o dever de fornecer a vacina, e o indivíduo tem de se vacinar. Para o ministro Edson Fachin, nenhuma autoridade ou poder público pode se esquivar de adotar medidas para permitir a vacinação de toda a população e assegurar o direito constitucional à saúde e a uma vida digna. “A imunidade coletiva é um bem público coletivo”, afirmou.
Segundo a ministra Rosa Weber, eventuais restrições às liberdades individuais decorrentes da aplicação das medidas legais aos que recusarem a vacina são imposições do próprio complexo constitucional de direitos, que exige medidas efetivas para a proteção à saúde e à vida. “Diante de uma grave e real ameaça à vida do povo, não há outro caminho a ser trilhado, à luz da Constituição, senão aquele que assegura o emprego dos meios necessários, adequados e proporcionais para a preservação da vida humana”, argumentou.
Ao acompanhar os relatores, a ministra Cármen Lúcia defendeu a prevalência do princípio constitucional da solidariedade, pois o direito à saúde coletiva se sobrepõe aos direitos individuais. “A Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”, disse.
O ministro Gilmar Mendes observou que, enquanto a recusa de um adulto a determinado tratamento terapêutico representa o exercício de sua liberdade individual, ainda que isso implique sua morte, o mesmo princípio não se aplica à vacinação, pois, neste caso, a prioridade é a imunização comunitária. Também para o ministro Marco Aurélio, como está em jogo a saúde pública, um direito de todos, a obrigatoriedade da vacinação é constitucional. “Vacinar-se é um ato solidário, considerados os concidadãos em geral”, disse.
Repercussão Geral – A tese de repercussão geral fixada no ARE 1267879 foi a seguinte: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
Nas ADIs, foi fixada a seguinte tese:
(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
(II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.
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