O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar, em ação proposta pelo PDT que altera a Lei da Ficha Lima, beneficiando políticos que concorreram nas eleições municipais deste ano, venceram, mas tiveram o registro barrado pela Justiça Eleitoral devido à lei em questão.
Nunes Marques declarou, em decisão no último sábado (19), inconstitucional um trecho da legislação que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas.
A ação do PDT, contra um trecho da Lei da Ficha Limpa, antecipa o momento em que políticos devem ficar inelegíveis. Antes da lei, essa punição só começava a valer após o esgotamento de todos os recursos contra a sentença por certos crimes (contra a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente ou a saúde pública, bem como pelos crimes de lavagem de dinheiro e aqueles praticados por organização criminosa).
Com a lei, a punição começou imediatamente após a condenação em segunda instância e atravessa todo o período que vai da condenação até oito anos depois do cumprimento.
O partido apontou que é desproporcional deixar inelegível um político por tanto tempo e alegou ao STF que a punição deveria ser de apenas oito anos a partir do momento que começa a valer a pena, e não durante esse período mais oito anos “após o cumprimento da pena”.
Para o partido, deve haver a “detração”, isto é, o tempo da punição deve ser computado desde o momento que ela começa a surtir efeito, ainda que de modo antecipado, e não apenas quando o caso encerra. O ministro Nunes Marques concordou, afirmando que essa condição é um “desprestígio ao princípio da proporcionalidade”.
Advogados eleitorais ouvidos pela reportagem do Estadão, mas não quiseram serem identificados, estimam que até 100 candidatos que estavam barrados pela justiça eleitoral poderão assumir os mandatos, com base na decisão de Nunes Marques. Os eventuais recursos serão analisados pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso.
A principal crítica, no meio jurídico eleitoral, é que a decisão modifica as regras da eleição de 2020 após a realização. A situação é incomum. Normalmente, as regras eleitorais só podem ser alteradas faltando um ano para a população ir às urnas. Leis aprovadas pelo Congresso em um prazo de menos de um ano para uma eleição, por exemplo, só valerão para a seguinte.
A liminar do ministro avançou sobre um tema que já havia sido debatido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em 2012, durante julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa. Na ocasião, o ministro Luiz Fux, relator da ação, defendeu que o prazo de oito anos começasse a valer a partir do início da punição, e não após o cumprimento da pena.
Kassio Nunes Marques, no entanto, decidiu não esperar para colocar em votação o caso no plenário do Supremo. Segundo ele, o trecho da lei questionado “parece estar a ensejar, na prática, a criação de nova hipótese de inelegibilidade”. O magistrado justificou a concessão da liminar afirmando que o pedido deve ser atendido imediatamente para não prejudicar quem foi eleito nessas condições.
“Impedir a diplomação de candidatos legitimamente eleitos, a um só tempo, vulnera a segurança jurídica imanente ao processo eleitoral em si mesmo, bem como acarreta a indesejável precarização da representação política pertinente aos cargos em análise”, destacou o ministro.
Com base na decisão dele, devem cair as decisões da justiça que determinaram a realização de novas eleições para prefeituras, nos casos em que o eleito estava na condição de ficha suja. Apesar disso, ainda pode haver recurso contra a decisão do relator no STF e, da mesma forma, também será necessária a análise do presidente do TSE.
Coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado paraibano Marcelo Weick, elogiou a decisão do ministro Kassio Nunes Marques. “A Lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa) completou dez anos. Natural que agora se avalie, longe do calor das emoções daquele julgamento das ADCs 29 e 30 (as ações no STF que discutiram a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa), os excessos e desproporções desta Lei, em especial nesse tormentosa e mal feita redação da alínea ‘e’”.
Ele complementou: “Caberá ao plenário do STF, tão logo retomada suas atividades em 2021, enfrentar essa questão que, reiteremos, vem em bom momento. A necessária reflexão desta desproporcionalidade de tratamento entre as inelegibilidade previstas na Lei 135/2010 (Lei da Ficha Limpa)”.
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