Paciente morre e entidade denuncia médico e junta por negar procedimento para priorizar lucro

A Associação Brasileira de Defesa dos Beneficiários de Planos e Seguros de Saúde (ABDB) apresentou três denúncias ao Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB) envolvendo a Advice Health e o médico Valdir Delmiro Neves.

Os casos tratam também sobre a negativa de procedimentos demandados por médicos pelos planos de saúde através de juntas médicas. A negativa seria para priorizar o lucro e resulta em judicializações por parte de clientes dos planos.

As denúncias, que também são assinadas pelo médico neurocirurgião José Ramalho da Silva Neto, tratam de supostas irregularidades e práticas inadequadas nas auditorias médicas de planos de saúde que afetam a assistência aos pacientes. Existe ainda denúncia no Ministério Público que apura suposto crime na demora no atendimento de um paciente, que acabou morrendo. A ABDB vem cobrando um posicionamento do CRM da Paraíba sobre as denúncias, pois não houve um pronunciamento público sobre os fatos.

Duas denúncias são contra Valdir Delmiro Neves, médico conselheiro titular do CRM-PB e responsável técnico pela auditoria da Unimed João Pessoa. Neves teria impedido tratamentos urgentes de pacientes críticos ao exigir auditorias prévias, prática proibida pelas normas da Agência Nacional de Saúde (ANS) e pelo Conselho Federal de Medicina.

Ele também é denunciado por promover modificações técnicas indevidas em procedimentos médicos, como em um caso que o médico recomendou uma cirurgia endoscópica da coluna e o auditor condicionou a autorização do procedimento à aceitação de uma cirurgia aberta, contrariando as orientações da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e CFM.

Um caso específico citado na denúncia contra o auditor envolve José Carlos Ferreira, diagnosticado com transtorno do disco cervical promovendo comprometimento da medula cervical, causando a perda de força nos quatro membros.

Mesmo com a urgência do caso, a Unimed João Pessoa, sob a auditoria de Neves, caracterizou a situação como “eletiva” e realizou uma auditoria prévia, inviabilizando e atrasando a realização do procedimento cirúrgico necessário, indicado em caráter de urgência.

Como resultado, o quadro clínico de Ferreira se agravou, levando ao desenvolvimento de tromboembolismo pulmonar e broncopneumonia. A cirurgia só foi realizada após intervenção judicial, mas já havia comprometimento neurológico irreversível.

O paciente acabou morrendo. Além dele, a esposa que o acompanhou em ambiente hospitalar, acabou contraindo uma pneumonia e também veio a óbito em conseqüência da infecção. O caso foi levado ao Ministério Público através do Procedimento de Gestão Administrativa Nº 001.2024.047727 (CNMP 20.18.0176.0047727/2024-78). A denúncia foi aceita pelo órgão ministerial.

A ABDB aponta nas denúncias apresentadas que “tais práticas foram movidas por interesses mercantilistas, comprometendo a integridade física de José Carlos e desrespeitando normas éticas e legais”.

As acusações apontam que estas não foram ações isoladas, mas parte de um padrão recorrente de conduta antiética do auditor, o que levou à formalização de uma denúncia ao Conselho Regional de Medicina da Paraíba e à sugestão de acionamento do Ministério Público para investigação.

As denúncias apontam ainda que as ações de Delmiro violaram diversas normas, incluindo a Resolução Normativa 424 de 2017 e a Lei nº 9.656 de 1998, que obrigam o atendimento imediato em casos de urgência e ratificam a existência de responsabilidade civil do médico auditor, que no caso trata-se da mesma pessoa, já que Valdir Delmiro Neves é chefe da auditoria da Unimed João Pessoa.

Foi registrado que mesmo após as denúncias envolvendo o conselheiro e auditor Valdir Delmiro Neves, ele segue fazendo parte da comissão de auditoria médica do CRM-PB, que tem como objetivo investigar, prevenir e punir as infrações éticas cometidas no âmbito da auditoria médica.

Advice Healt – A terceira denúncia, apresentada aborda as práticas da empresa de auditoria Advice Health. Ela viria infringindo inúmeros artigos do Código de Ética Médica e da ANS, como por exemplo: omissão do nome do médico auditor; auditores e desempatadores sem CRM ativo no estado, auditores interferindo na conduta dos médicos assistentes, procedimentos negados sob auditoria realizada por profissionais não médicos, havendo o registro do caso onde um dos auditores afirma que “só poderia liberar a cirurgia se o plano de saúde concordasse em pagar por ela”.

As viciosidades apontadas na denúncia contra a empresa, que presta serviço de auditoria para vários planos de saúde, na Paraíba e em todo o territorial nacional, vem sendo registradas há mais de 18 meses, sendo apontado o prejuízo ao devido tratamento de milhares de pacientes clientes das operadoras de saúde contratantes do serviço desta empresa. Foi registrada também a existência de sindicância no CRM-PB após denúncia feita contra a empresa e seus auditores, pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.

Em dezembro de 2023 foi divulgada reportagem nacional citando irregularidades auditoria médica promovida pela empresa Advice Healt, que tinha o título “Especialistas questionam atuação de juntas médicas como forma de suposta proteção a planos de saúde”, com denúncias de que os médicos que fazem a auditorias não são os mesmos que às assinam.

Família da vítima – O irmão de José Carlos Ferreira, vítima do atraso na liberação da cirurgia, José Ferreira Filho, explica que foi preciso acionar a justiça para que o material para cirurgia do seu irmão chegasse. “Meu irmão precisava ser cirurgiado com urgência, no máximo três dias, porque era algo assim muito complexo e ele poderia passar por problemas mais crônicos e nunca mais poder andar, ficar totalmente tetraplégico. Mas a Unimed não liberava o material”, relatou.

Ele conta que o irmão contraiu uma pneumonia muito forte e um tromboembolismo pulmonar, complicação relacionada com a doença que tinha necessidade de cirurgia em caráter de urgência, impediu a realização da cirurgia. “O pior que quando ele contrai a pneumonia, a esposa dele, junto, ficou com ele o tempo inteiro, todos os dias lá, também contraiu a pneumonia no ambiente hospitalar e acabou falecendo”, lamenta.

“Para toda a família foi um baque muito grande, foi uma consternação muito forte. E foi por isso que nós entramos na justiça e é por isso que nós queremos justiça para que a Unimed, também as pessoas que trabalham para ela, observe que não se pode fazer isso com ninguém, porque quebrou a nossa família. Minhas sobrinhas, todo mundo está muito abalado porque esse descaso levou a morte duas pessoas muito queridas nossas”, denunciou.

O advogado da família da vítima Wallis Franklin disse que caso está em fase preliminar no Ministério Público e que a Unimed foi devidamente intimada para se manifestar sobre o caso, e não deu qualquer resposta.

“Em relação a família, existe um sentimento de muita indignação, em que há um desejo para seja apurada a responsabilidade dos envolvidos no resultado da morte, dada a inércia do plano em relação a urgência do caso”, afirmou.

ABDB – Lucas R. Dohmen, advogado especialista em direito médico e da saúde e vice-presidente da ABDB, afirmou que é dever da entidade defender a autonomia médica e os direitos dos beneficiários de planos e seguros de saúde.

Dohmen relatou que, após receberem denúncias de um associado sobre graves infrações ao código de ética médica e normas federais, a entidade foi alertada sobre auditorias de planos de saúde que condicionam a liberação de cirurgias à alteração da técnica, sem contraindicação para a técnica solicitada pelo médico do paciente. Outra denúncia grave envolve o desrespeito aos prazos para liberação de cirurgias de urgência, tratadas pelas seguradoras como eletivas.

O advogado alertou que o prolongamento injustificado de procedimentos causa sofrimento aos pacientes, expondo-os a riscos desnecessários ou técnicas mais invasivas, beneficiando apenas os planos de saúde. Coletivamente, isso impede a evolução científica no Brasil e força médicos a buscarem qualificação no exterior.

Lucas R. Dohmen sugeriu que as famílias das vítimas busquem as autoridades competentes para investigar a responsabilidade civil e criminal dos casos denunciados ao CRM da Paraíba.